Dr. Alisson Lima
Médico da equipe Lapinha, pós-graduado em Fitoterapia e Nutrologia.
Os fitoterápicos podem ser vantajosos desde que entendidos como complementares, não como substitutos, e utilizados dentro de um contexto clínico responsável. Vale também salientar que cerca de 30% dos medicamentos utilizados hoje em dia são originados, direta ou indiretamente, de plantas.
A fitoterapia consiste no uso de plantas medicinais e seus derivados para fins terapêuticos — seja na prevenção, alívio ou tratamento de enfermidades — em suas diversas formas farmacêuticas, como extratos, tinturas e chás. No Brasil é oficialmente reconhecida como uma das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) pelo Ministério da Saúde, desde 2006 (Portaria nº 971/2006, depois ampliada pela Portaria nº 849/2017), estando em uso em mais de 900 municípios pelo SUS[1].
Cerca de 30% dos medicamentos utilizados hoje em dia são originados, direta ou indiretamente, de plantas[2,3]. Nesse sentido, a Fitoterapia é um método de tratamento caracterizado pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes apresentações farmacêuticas, em vez da utilização de substâncias ativas isoladas[4]. Ou seja, os diversos compostos presentes nas plantas compõem os medicamentos fitoterápicos, sendo obtidos exclusivamente de matérias-primas vegetais que tenham sua segurança e eficácia baseadas em evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade[5,6].
A história da fitoterapia é também a história da medicina moderna que, desde o seu surgimento, na metade do século XIX, definiu-se como cientificamente orientada.
O conceito de fitoterapia foi introduzido no meio científico pelo médico francês Henri Leclerc (1870-1955), que vivia e clinicava em Paris. Ele fez inúmeras descrições do uso de plantas medicinais, em grande parte publicadas na influente revista médica francesa “La Presse Médicale”. Leclerc resumiu sua experiência no manual “Précis de Phytothérapie”.
A maioria dos estudiosos da fitoterapia moderna entendem-na como parte da medicina cientificamente orientada. Sua exigência de aplicar aos fitoterápicos os mesmos métodos científicos que aos medicamentos sintéticos, e o fato de classificarem a fitoterapia como uma parte integrante da farmacoterapia moderna, merece ser apoiada[7].
- Conhecimento popular x ciência moderna
Do ponto de vista cultural, o uso de plantas medicinais faz parte de práticas ancestrais, repassadas de geração em geração. No entanto, a fitoterapia moderna busca integrar esse conhecimento popular a critérios científicos rigorosos. No SUS, essa integração se dá por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que destaca que as terapias baseadas em fitoterapia devem ser complementares, não substitutas da medicina alopática, e aplicadas por profissionais capacitados e com produtos que atendam a padrões de qualidade, segurança e eficácia[8].
Regulação e qualificação científica
- Os medicamentos fitoterápicos (MF) passam por regulamentação específica (RDC Anvisa) e exigem comprovação de eficácia e segurança por meio de estudos clínicos ou etnofarmacológicos rigorosos. Já os produtos tradicionais fitoterápicos (PTF) baseiam-se principalmente no uso prolongado e na tradição popular[9].
- A pesquisa científica evoluiu nos últimos anos, com diversos estudos clínicos envolvendo plantas como Passiflora incarnata (maracujá), Valeriana officinalis e Hypericum perforatum, principalmente para transtornos como ansiedade e insônia leve ou moderada[10].
- Contudo, a literatura científica destaca que o nível de evidência varia muito. Revisões sistemáticas exigem ensaios clínicos controlados, randomizados, cegos e com amostra adequada — ainda escassos para muitos fitoterápicos[11].
- Não se deve substituir medicamentos consolidados sem critério clínico
É fundamental destacar que não se deve substituir um tratamento farmacológico convencional por um fitoterápico sem base clínica consistente. Alguns dos principais riscos incluem:
- Interações medicamentosas e toxicidade: certos fitoterápicos podem interagir com fármacos sintéticos ou resultar em efeitos adversos, incluindo, desde efeitos sob o sistema nervoso central, até efeitos sobre o metabolismo, controle hormonal, função cardíaca, digestiva, dentre outros, especialmente se utilizados sem orientação ou se o produto tiver qualidade duvidosa[12].
- Desconhecimento técnico: muitos profissionais de saúde não recebem formação adequada em fitoterapia. Pesquisas identificaram que a indicação ocorre muitas vezes por automedicação, com base em experiências familiares ou pela mídia, sem respaldo profissional[13].
- Dados revelam que uma proporção significativa de pacientes que usam plantas medicinais (79%) não teve orientação adequada, enquanto grande parte dos prescritores não está bem informada sobre os fitoterápicos disponíveis no SUS[14].
- Importância da comprovação de eficácia
Aspectos fundamentais
A questão sobre a comprovação da eficácia dos medicamentos foi discutida de forma muito intensa e controversa nas últimas décadas, sem um resultado definitivo. O dogma da força de comprovação exclusiva dos estudos duplo-cego, randomizados e controlados já foi abalado por Kienle (1977), mas nem por isso invalidado. Kiene (1994) retomou esse questionamento e retrabalhou sua dimensão teórica. Trata-se, por um lado, da tentativa de avaliar a ação de um medicamento, observado de forma isolada, em uma terapia, eliminando todas as outras interferências possíveis, e, por outro lado, da objetividade dos resultados.
A problemática científica do famoso efeito placebo baseia-se no fato de que o surgimento desse efeito ainda não foi bem esclarecido. Uma clássica e extensa descrição do efeito do placebo foi publicada por Kienle (1995).
No entanto, soa sensato valorizar a experiência terapêutica antes de se afirmar que alguma abordagem com fármacos é cientificamente robusta. Qualquer paciente esclarecido se sentirá menos seguro em submeter-se a um tratamento que se apoie apenas em resultados obtidos por estudos duplo-cegos, sem experiência alguma. Sobre a importância da experiência, Abraham Lincoln já dizia: “Pode-se enganar um pequeno número de pessoas por um longo tempo e um número grande de pessoas por um curto tempo”.
Veja bem, “é impossível enganar um grande número de pessoas por um longo tempo!” No campo da farmacoterapia pode-se traduzir como: o uso prolongado de um fármaco, constantemente solicitado pelos pacientes e prescrito pelos médicos, atesta a sua eficácia — mesmo sem ensaios duplo-cegos.
Na preparação da nova Legislação Alemã de Medicamentos (Deutschen Arzneimit-telgesetzes (AMGI), que vigora desde 1° janeiro de 1978, tendo sido revisada e complementada várias vezes, o Comitê de Preparação da Lei para a Juventude, Família e Saúde afirmou o seguinte, em seu relatório de 28/4/1976:
A eficácia dos fitoterápicos foi avaliada como segura ou suficientemente provável segundo pelo menos um dos critérios a seguir:
- A ação e a eficácia foram comprovadas através do registro em artigos de revisão respeitados, em manuais ou livros-texto de formação.
- Resultados em estudos controlados em comparação com placebo ou substâncias de referência.
- Provas clínicas documentadas, mas insuficientes para a recomendação de liberação; no entanto com resultados experimentais confirmatórios que apontem no mesmo sentido das provas clínicas.
- Material de conhecimento científico encontra-se disponível.
- Existem conhecimentos baseados na experiência prática e resultantes de observação, mas insuficientes para uma recomendação de liberação; no entanto, são conhecidos resultados convincentes de ensaios experimentais, observações ou indícios adicionais passíveis de avaliação.
Para a fitoterapia, a AMGI representa um ponto de virada também no sentido de uma terapia moderna, baseada em avaliações de acordo com critérios científicos.[15].
Conclusão
A fitoterapia é uma área legítima de atuação que une saberes tradicionais e avanços científicos, reconhecida no Brasil como prática integrativa. Pode oferecer benefícios em determinadas condições, desde que seus produtos sejam regulados e embasados em evidências, prescritos por profissionais qualificados.
Entretanto, não se deve substituir um medicamento convencional — com eficácia e segurança comprovadas — por um fitoterápico sem critérios clínicos e científicos claros. A automedicação, o uso sem orientação ou com produtos de qualidade duvidosa, e a falta de conhecimento técnico, expõem o paciente a riscos desnecessários. O ideal é que fitoterápicos sejam entendidos como complementares, não como substitutos, e utilizados dentro de um contexto clínico responsável.
Referências
- PORTARIA Nº 971, DE 03 DE MAIO DE 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html#:~:text=PORTARIA%20N%C2%BA%20971%2C%20DE%2003,no%20Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde.
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