Vêm surgindo críticas ao manejo e interpretação dos dados provenientes das assim chamadas “blue zones”. Seria falácia a existência de regiões privilegiadas, onde as pessoas vivem vidas significativamente mais longas e saudáveis? Ou as “blue zones”, espalhadas pelo planeta, do Oriente ao Ocidente, teriam realmente seus “segredos” em grande parte revelados pela ciência médica? O que é verdade, o que é mito?
Erros de origem?
Kevin E. G. Perry do U S Lifestyle, citando o famoso Dr. Saul Newman, não poupa críticas ao conceito das blue zones. Aqui resumimos as principais e a nossa conclusão.
1. “As pessoas querem que haja uma ilha exótica e distante onde tudo esteja bem”. As zonas azuis seriam, então, uma criação fantasiosa, lugares mágicos de longevidade & felicidade? Quando atrelamos a boa vida dessas pessoas meramente ao lugar onde vivem, realmente soa até hollywoodiano. Dan Buettner, que cunhou a expressão, sem subestimar seu mérito, não era médico nem cientista, e de fato, cometeu alguns equívocos de interpretação, hoje reconhecidos, ao idealizar sua “fórmula de longevidade” para os habitantes desses locais. E Kevin não perdoa, é incisivo.
2. Um dos principais erros, hoje admitidos pela ciência, foi o de recomendar usar vinho diariamente como um dos “segredos da longevidade” dos habitantes do Mediterrâneo. Notem o que diz o artigo: “as alegações sobre os benefícios à saúde do suposto estilo de vida da Zona Azul perdem toda a credibilidade quando você entende o quão sem suporte a premissa é por dados empíricos… o mais surpreendente é que uma das diretrizes é que você deve beber todos os dias… essa é uma receita para o alcoolismo. É uma loucura que esteja sendo impulsionado como um conselho de saúde. Se você fosse um médico dizendo ao seu paciente para beber todos os dias, você perderia sua licença.”
3. PORÉM consideramos exagerado afirmar que o conceito “perde toda a credibilidade”. Além da crítica à recomendação para beber álcool, há também períodos de vida superestimados, datas de nascimento erradas, alegações contraditórias sobre qualidade de vida em Okinawa, entre outras alegações passíveis de crítica. Mas nada disso anula a notável associação entre um número considerável de habitantes dessas regiões e seu modo devida, e a verdade científica disso pode ser apoiada em 3 pontos principais: (1) Há muitos estudos sérios que relacionam o ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL com a longevidade nessas regiões, principalmente em Loma Linda, onde há um Centro de Pesquisa reconhecido. (2) Os parâmetros dessa equação são repetidamente endossados pela ciência médica, com ênfase aos três níveis de autocuidado (corpo, mente e alimentação). (3) Na covid 19, a morbimortalidade nessas regiões foi mais baixa, com P valor significativo. Não foi por acaso. Outros estudos relacionaram também a microbiota do intestino dessas regiões com um padrão bioquímico imunoprotetor, com aumento do betahidroxibutirato entérico, o que foi muito claramente associado com o estilo de vida saudável das assim chamadas “blue zones”.
4. CONCLUINDO – Por causa desses erros de origem, a expressão “blue zone” cunhada por alguém considerado “aventureiro”, e que acabou se consagrando e popularizando em muitas publicações não científicas, inclusive num documentário da Netflix, começa a ser ridicularizada, o que nos convida a REVISITAR o tema. Pesquisas médicas são sempre exaustivas e complexas, e como envolvem numerosas variáveis e facetas, ao cruzarmos e categorizarmos dados envolvendo populações, é preciso redobrada atenção para não supervalorizar fatos empíricos em detrimento da análise científica, como ficou claro no erro da recomendação absurda de ingerir bebidas alcoólicas como “fator de saúde e longevidade”, também na coleta de dados com estimativas exageradas para o tempo de vida, entre outras afirmações infundadas e equivocadas.
Onde vivem esses povos longevos e saudáveis?
O termo “Blue Zones” ou “Zonas Azuis”, como vimos, foi cunhado por Dan Buettner, bolsista da National Geographic e autor de best-sellers do New York Times, um deles intitulado “Blue Zones”, cuja primeira edição foi lançada em 2008. Desde então, apesar das críticas, o assunto vem ganhando grande popularidade internacionalmente. As cinco regiões mapeadas e mais conhecidas no momento são Okinawa (Japão), Península de Nicoya (Costa Rica), Icaria (Grécia), Ogliastra (Sardenha, Itália) e Loma Linda (Califórnia, EUA) [1-2].
Esta última é uma das mais estudadas, até porque lá existe uma Faculdade de Medicina e um reconhecido Centro de Pesquisa, que há anos vem publicando sobre a qualidade de vida de seus habitantes e seus baixos índices de doenças. Seus números de longevidade seus incríveis, muito acima de seus conterrâneos norte-americanos, atingindo não raro a marca dos 90 e 100 anos [3]. Não é incomum você encontrar um Lomalindense nonagenário ou até centenário frequentando academia, dirigindo seu automóvel e até cuidando de seu jardim. Embora haja diferenças culturais marcantes de região para região, as pesquisas identificaram vários pontos comuns no estilo de vida de todas as blue zones. Destacam-se também fatores ambientais que contribuem para a longevidade e saúde de seus residentes.
Mas há uma nota recente e lamentável nisso tudo: Novas gerações nas blue zones estão perdendo parte da cultura de seus antepassados saudáveis e longevos, aderindo aos hábitos ocidentais de alimentação, o que traz incertezas sobre o futuro.
Como explicar tanta saúde e vida tão longa?
Como afirma Dan Buettner, “não existem soluções mágicas para uma vida longa.” Os principais fatores destacados na equação cientificamente estudada para a longevidade e bem-estar, embora não deixe de fora a contribuição genética, inclui uma dieta predominantemente baseada em vegetais, baixa ingestão calórica, porém sem desnutrição, atividade física regular, religiosidade, fortes conexões sociais e um senso de propósito [1-2]. A ingestão calórica moderada vem sendo desde longa data associada à longevidade [4], e é talvez o vetor mais forte. Um fato inegável é que o homem moderno, a maioria de nós, come exageradamente, e por isso convivemos com uma pandemia de obesidade sem precedentes, com suas consequências deletérias.
Você é disciplinado para comer?
Se você está acima do peso adequado para seu biotipo e altura, provavelmente está comendo mais que gasta. Isso é importante, mas não é só o que conta. Os habitantes das blue zones notabilizam-se por sua disciplina alimentar como um todo, mantendo vários hábitos alimentares saudáveis, como ingerir mais vegetais, frutas e grãos (plant based diet), nunca sair da mesa “empanturrado” e jantar cedo. Os okinawenses (Japão) têm o costume dizer Hara hachi bun me (腹八分目/はらはちぶんめ), (ou hara hachi bu) antes das refeições, um ensino confucionista que os lembra de não comer mais que 80%. Na prática, significa sempre sair da mesa com “um pouco de fome”, mas não faminto.
Mas é possível viver como nas blue zones, ou seria apenas uma curiosidade inalcançável?
O que podemos aprender com as Zonas Azuis? É possível incorporar alguns dos seus costumes para aumentar nossa expectativa e qualidade de vida? Ou se trata de algo muito particular dessas regiões, privilégio genético, utópico para nós, inacessível à vida moderna? Estudos demonstraram que os referidos fatores de estilo de vida podem ser traduzidos em práticas perfeitamente adequáveis a vida moderna, para melhorar os resultados de saúde pública, que, diga-se de passagem, não são nada animadores. Por exemplo, o Projeto Zonas Azuis nos Estados Unidos implementou mudanças ambientais e políticas baseadas nestes princípios, resultando no aumento da esperança de vida e na redução das taxas de obesidade e doenças crónicas [1, 5]. Enfim, essas mudanças podem perfeitamente ser incorporadas à nossa rotina, pelo menos em parte, com alguma disciplina e foco.
“Blue zone brasileira”
Na Lapinha, oferecemos aos nossos hóspedes uma imersão que se assemelha em muitos aspectos ao modo de vida nessas regiões, pois contempla exatamente os três níveis de autocuidado que essas pessoas longevas têm: cuidado da alimentação, cuidado do corpo (atividade física e biorritmo) e cuidado da mente (incluindo saúde espiritual). Por isso, nossos clientes nos chamam carinhosamente de “blue zone brasileira”.
Resumindo
A relação entre as Zonas Azuis, longevidade e alegria de viver pode ser explicada por uma combinação de fatores, com destaque a hábitos alimentares saudáveis, atividade física, engajamento social e fatores ambientais. Tudo isso resulta não apenas em vida longa, mas menos adoecimento. Diga-se de passagem, durante a pandemia de covid 19, os habitantes das blue zones estiveram em parte protegidos por seu “escudo” de ótima saúde [6, 7]. E podemos tirar daqui várias aplicações práticas.
- Blue Zones: Lessons From the World’s Longest Lived. Buettner D, Skemp S. American Journal of Lifestyle Medicine. 2016 Sep-Oct;10(5):318-321.
- A Narrative Review Exploring the Similarities Between Cilento and the Already Defined “Blue Zones” in Terms of Environment, Nutrition, and Lifestyle: Can Cilento Be Considered an Undefined “Blue Zone”?. Aliberti SM, Donato A, Funk RHW, Capunzo M. Nutrients. 2024;16(5):729. doi:10.3390/nu16050729.
- https://www.cnbc.com/2023/09/26/loma-linda-ca-what-the-only-blue-zone-in-the-us-does-for-longevity.html. Acesso em 26/06/2024.
- https://sitn.hms.harvard.edu/flash/2020/can-calorie-restriction-extend-your-lifespan/. Acesso em 26/06/2024.
- Micro Nudges: A Systems Approach to Health. Buettner D. American Journal of Health Promotion : AJHP. 2021;35(4):593-596. doi:10.1177/08901171211002328d
- Extremely reduced COVID-19 mortality in a “Blue Zone”: an observational cohort study. Christodoulos Stefanadis at al. Hellenic J Cardiol.2022 November-December; 68: 60–62. Published online 2022 Sep 22.
- https://about.sharecare.com/blue-zones-project-inspires-resilient-responses-to-covid-19/ . Acesso em 26/06/2024
- https://us06web.zoom.us/j/7227453729 pwd=UVJGR2RlQzZqWExjd1o5VFFseXpBZz09