DIETAS QUE PROVOCAM O ABOMINÁVEL EFEITO SANFONA

 

Dr Daniel S F Boarim, MD, Diretor Clínico da Lapinha

 

Um dos maiores mitos do emagrecimento é que, quanto mais severa a restrição calórica, mais eficaz é a dieta. Leia com atenção esse resumo, e sua opinião certamente vai mudar completamente.

 

A “matemática” da perda de peso

 

Para ganhar um quilo, você precisa ingerir, ao longo do tempo, 7.700 kcal mais do que gasta, e para emagrecer, é só inverter a conta, comer menos e queimar mais, e quando o total da diferença chegar em 7.770 kcal, terá perdido um quilo.

Teoricamente, uma dieta hipocalórica em que se consiga uma diferença ente gasto e queima de 1.000 kcal/dia, vai pedir pouco mais de uma semana para o ponteiro da balança mostrar um quilo de perda real. E quando falamos em “perda real”, referimo-nos à queima de estoques, e não às flutuações de líquidos, que podem mascarar os resultados para mais ou para menos.

Mas para quem está desesperado para entrar novamente na roupa de alguns verões atrás, esse ritmo parece cruelmente lento. Quase todos se esquecem que os muitos quilos vieram ao longo de meses, anos, e que não é sensato esperar soluções rápidas de alguns dias.

Para encurtar o caminho, então, qual a “magia” das loucuras? Dietas de fome e muita malhação. Alguns apelam para as famosas “low carb diets” (ler artigo nessa biblioteca sobre proteína: emagrece ou inflama?).

 

O efeito “rebote”

 

“Bem-vindo” à experiência do efeito sanfona! Dietas muito restritivas podem causar um efeito rebote devido a várias adaptações fisiológicas e comportamentais que ocorrem em resposta à restrição calórica severa.

Primeiramente, a restrição calórica pode levar a alterações nos hormônios que regulam o apetite. Estudos mostram que a perda de peso induzida por dieta aumenta os níveis de grelina, um hormônio orexigênico, e diminui os níveis de leptina, um hormônio anorexigênico, resultando em aumento da fome e do apetite.[1-2] Essas alterações hormonais persistem a longo prazo, mesmo após a perda de peso inicial, contribuindo para o aumento do apetite e a recuperação do peso.[3]

 

O metabolismo entende que você está num deserto

 

O metabolismo “se defende” contra a privação exagerada da dieta, entende que você está sob privação, à mingua, num deserto, e dispara o modo “gaste menos e armazene mais” para garantir a sobrevivência.  O resultado fatal é o ganho progressivo de peso, com cada vez mais dificuldade de perder e mais ainda de manter a perda.

Além disso, a restrição calórica pode levar a uma redução no gasto energético basal, um fenômeno conhecido como adaptação metabólica. Após a perda de peso, o gasto energético em repouso é menor do que o esperado com base na nova composição corporal, o que facilita a recuperação do peso quando a ingestão calórica é aumentada.[4] E se não houver mudança visceral de comportamento, começa aqui o ciclo vicioso de comer cada vez mais para gastar cada vez menos.

 

Compulsão alimentar disparada por dieta muito hipocalórica

 

Outra variável importante é a resposta comportamental à restrição alimentar. A restrição severa pode aumentar a suscetibilidade a episódios de compulsão alimentar, entre outros transtornos alimentares, especialmente em situações que desafiam o autocontrole, como estresse ou exposição a alimentos altamente palatáveis.[5] E o que não falta são comidas viciantes, ultraprocessadas e super calóricas. Chocolate, guloseimas, salgadinhos, bebidas alcoólicas e massas acenam o tempo todo com seu quase irresistível apelo.

 

Microbiota do intestino prejudicada por dietas muito restritas caloricamente

 

A microbiota intestinal também pode desempenhar um papel crucial na recuperação do peso. Alterações na composição da microbiota intestinal durante a restrição calórica podem afetar o metabolismo e a absorção de nutrientes, contribuindo para o ganho de peso após a retomada da alimentação normocalórica ou cessação da dieta restritiva. Aqui mora uma novidade muito interessante, pois sabemos que a microbiota exerce um controle sobre o metabolismo muito maior do que imaginávamos há poucas décadas atrás. [6]

 

Enfim, qual é a receita do emagrecimento sustentável?  

 

A receita cientificamente embasada para emagrecer de modo eficaz e sustentado é bem conhecida e não mudou quase nada em décadas de pesquisa. Certamente hoje sabemos mais sobre a contribuição genética e o papel da ansiedade no comportamento alimentar humano e o poder viciante de certas comidas.  Mas, qualquer protocolo sério, invariavelmente se estriba em três pilares: (1) dieta saudável, com leve a moderada restrição calórica (você não precisa nem deve passar fome!), (2) exercícios balanceados e orientados (veja bem: os exercícios devem sincronizar atividades aeróbicas com musculação e alongamento). (3) Seguimento de longo prazo com equipe multidisciplinar para alavancagem motivacional, correções, ajustes e permitir que as mudanças sejam de fato incorporadas e virem rotina.

Enfim, voltamos ao lugar comum de que não existe fórmula mágica. A mudança de comportamento requer foco, disciplina e perseverança! O que pode fazer a diferença aqui não é  tanto o que fazemos, mas o modo como fazemos. A intensidade, a vontade e a determinação com que nos entregamos ao propósito. Meias medidas e iniciativas débeis, esporádicas ou espasmódicas nunca terão força suficiente para avançar!

 

Resumindo

 

Esses três fatores combinados: (1) Adaptação fisiológica à fome, levando o organismo a gastar menos e desejar mais comida, (2) resposta comportamental, com exacerbação de episódios compulsivos e (3) mudança da microbiota, explicam por que dietas muito restritivas frequentemente resultam em um efeito rebote, onde o peso perdido é recuperado rapidamente após o término da dieta, com ganhos ainda maiores. Por isso também, convivemos com números assustadores da pandemia de obesidade.

 

 

Referências

 

  1. Calorie-Restricted Weight Loss Reverses High-Fat Diet-Induced Ghrelin Resistance, Which Contributes to Rebound Weight Gain in a Ghrelin-Dependent Manner.Briggs DI, Lockie SH, Wu Q, et al. Endocrinology. 2013;154(2):709-17. doi:10.1210/en.2012-1421.
  2. Altered Appetite-Mediating Hormone Concentrations Precede Compensatory Overeating After Severe, Short-Term Energy Deprivation in Healthy Adults. O’Connor KL, Scisco JL, Smith TJ, et al. The Journal of Nutrition. 2016;146(2):209-17. doi:10.3945/jn.115.217976.
  1. Long-Term Persistence of Hormonal Adaptations to Weight Loss. Sumithran P, Prendergast LA, Delbridge E, et al. The New England Journal of Medicine. 2011;365(17):1597-604. doi:10.1056/NEJMoa1105816.
  2. Mechanisms of Weight Regain.Busetto L, Bettini S, Makaronidis J, et al.European Journal of Internal Medicine. 2021;93:3-7. doi:10.1016/j.ejim.2021.01.002.
  3. The Ironic Effects of Dietary Restraint in Situations That Undermine Self-Regulation.Hagerman CJ, Stock ML, Beekman JB, Yeung EW, Persky S. Eating Behaviors. 2021;43:101579. doi:10.1016/j.eatbeh.2021.101579.
  4. Gut Microbiota-Bile Acid Crosstalk Contributes to the Rebound Weight Gain After Calorie Restriction in Mice. Li M, Wang S, Li Y, et al. Nature Communications. 2022;13(1):2060. doi:10.1038/s41467-022-29589-7.

 

ENGLISH

 

DIETS THAT CAUSE THE ABOMINABLE YO-YO EFFECT

 

Dr Daniel S F Boarim, MD, Clinical Director of Lapinha

 

One of the biggest myths about weight loss is that the more severe the calorie restriction, the more effective the diet. Read this summary carefully, and your opinion will certainly change completely.

 

The “mathematics” of weight loss

 

To gain one kilo, you need to consume, over time, 7,700 kcal more than you expend, and to lose weight, just reverse the calculation, eat less and burn more, and when the total difference reaches 7,770 kcal, you will have lost one kilo.

Theoretically, a low-calorie diet in which you achieve a difference between expenditure and burning of 1,000 kcal/day, will take a little over a week for the scale to show a real loss of one kilo. And when we talk about “real weight loss,” we are referring to the burning of stocks, not to the fluctuations in fluids, which can mask the results, either more or less.

But for those who are desperate to get back into the clothes they wore a few summers ago, this pace seems cruelly slow. Almost everyone forgets that the many pounds have come on over months, years, and that it is not sensible to expect quick solutions in a few days.

So, to shorten the path, what is the magic? Starvation diets and lots of exercise. Some resort to the famous “low carb diets” (read the article in this library about protein: does it make you lose weight or cause inflammation?).

 

The “rebound” effect

 

Welcome to the yo-yo effect experience! Very restrictive diets can cause a rebound effect due to several physiological and behavioral adaptations that occur in response to severe calorie restriction.

Firstly, calorie restriction can lead to changes in the hormones that regulate appetite. Studies show that diet-induced weight loss increases levels of ghrelin, an orexigenic hormone, and decreases levels of leptin, an anorexigenic hormone, resulting in increased hunger and appetite.[1-2] These hormonal changes persist long-term, even after initial weight loss, contributing to increased appetite and weight regain.[3]

 

Your metabolism understands that you are in a desert

 

Your metabolism “defends itself” against excessive dietary deprivation, understanding that you are under deprivation, starving, in a desert, and triggers the “spend less and store more” mode to ensure survival. The fatal result is progressive weight gain, with increasing difficulty in losing and even more difficult to maintain the loss.

In addition, calorie restriction can lead to a reduction in basal energy expenditure, a phenomenon known as metabolic adaptation. After weight loss, resting energy expenditure is lower than expected based on the new body composition, which makes it easier to regain the weight when caloric intake is increased.[4] And if there is no visceral change in behavior, this is where the vicious cycle of eating more and more to burn less and less begins.

 

Binge eating triggers during periods of dieting

 

Another important variable is the behavioral response to food restriction. Severe restriction can increase susceptibility to binge eating episodes, among other eating disorders, especially in situations that challenge self-control, such as stress or exposure to highly palatable foods.[5] And there is no shortage of addictive, ultra-processed, and high-calorie foods. Chocolate, sweets, snacks, alcoholic beverages, and pasta beckon all the time with their almost irresistible appeal.

 

Gut microbiota impaired by very calorie-restricted diets

 

Finally, the gut microbiota may also play a role in weight regain. Changes in the composition of the intestinal microbiota during calorie restriction can affect metabolism and nutrient absorption, contributing to weight gain after resuming a normal diet.[6]

 

And what is the recipe for sustainable weight loss?

 

The scientifically based recipe for effective and sustained weight loss is based, in simple terms, on three pillars: (1) a healthy diet with mild to moderate calorie restriction (you don’t need to go hungry), (2) balanced and guided exercise. (3) Long-term follow-up with a multidisciplinary team so that the changes are actually incorporated and become routine. There is no magic formula. Changing behavior requires focus, discipline and perseverance!

 

In summary

 

These three factors combined: (1) physiological adaptation to hunger, leading the body to spend less and desire more food, (2) behavioral response, with exacerbation of binge eating episodes, and (3) changes in the microbiota, explain why very restrictive diets often result in a rebound effect, where the lost weight is quickly regained after the diet ends, with even greater gains.

 

 

References

 

  1. Calorie-Restricted Weight Loss Reverses High-Fat Diet-Induced Ghrelin Resistance, Which Contributes to Rebound Weight Gain in a Ghrelin-Dependent Manner.Briggs DI, Lockie SH, Wu Q, et al. Endocrinology. 2013;154(2):709-17. doi:10.1210/en.2012-1421.
  2. Altered Appetite-Mediating Hormone Concentrations Precede Compensatory Overeating After Severe, Short-Term Energy Deprivation in Healthy Adults. O’Connor KL, Scisco JL, Smith TJ, et al. The Journal of Nutrition. 2016;146(2):209-17. doi:10.3945/jn.115.217976.
  1. Long-Term Persistence of Hormonal Adaptations to Weight Loss. Sumithran P, Prendergast LA, Delbridge E, et al. The New England Journal of Medicine. 2011;365(17):1597-604. doi:10.1056/NEJMoa1105816.
  2. Mechanisms of Weight Regain.Busetto L, Bettini S, Makaronidis J, et al.European Journal of Internal Medicine. 2021;93:3-7. doi:10.1016/j.ejim.2021.01.002.
  3. The Ironic Effects of Dietary Restraint in Situations That Undermine Self-Regulation.Hagerman CJ, Stock ML, Beekman JB, Yeung EW, Persky S. Eating Behaviors. 2021;43:101579. doi:10.1016/j.eatbeh.2021.101579.
  4. Gut Microbiota-Bile Acid Crosstalk Contributes to the Rebound Weight Gain After Calorie Restriction in Mice. Li M, Wang S, Li Y, et al. Nature Communications. 2022;13(1):2060. doi:10.1038/s41467-022-29589-7.

 

 

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