Dra Jacy M. Alves, Médica da Lapinha, especialista em Endocrinologia e Metabologia
A Medicina não é uma ciência exata – isso todos sabem. As verdades podem ser transitórias. Mas vemos cada vez mais pessoas, principalmente as mais abastadas, procurando uma “Medicina Fast Healthy”, onde no anseio de terem vitalidade, função sexual compatível com atores de filmes adultos, a juventude eterna, o não sofrimento a qualquer custo, engolem diariamente pílulas “mágicas” ou compostos injetáveis (muitas vezes pagam uma verdadeira fortuna por isso) que prometem ser a cura para a sua insatisfação com a vida e seus propósitos. Existe certo ou errado? Sinceramente acredito que cada pessoa escolhe seus caminhos e tem autonomia, portanto, talvez essa dicotomia entre certo ou errado não seja a maneira mais correta de expressão, sendo que existem apenas escolhas diferentes, mas uma vez definindo o rumo é preciso aceitar as possíveis consequências.
A busca eterna do ser humano pela longevidade é justa?
Claro, afinal a grande maioria das pessoas não pensa muito sobre a finitude da vida, apesar de todos saberem da sua existência. Durante a era renascentista essa busca se limitava ao desejo de forma milagrosas de rejuvenescimento, como o banho na fonte da juventude. Houve uma guinada científica em 1889 com a publicação das auto-experiências de Brown-Séquart com extrato de testículos de animais, o que aparentemente melhorou sua vitalidade, força física e cognição. Este extrato, comercializado como o “Elixir da Vida”, foi vendido por décadas na Europa e América do Norte. No entanto, a replicação dos experimentos de Brown-Séquart demonstrou que tal extrato apresentava apenas concentrações homeopáticas de testosterona, insuficientes para exercer qualquer efeito biológico. Assim, o nascimento da Andrologia começou com um efeito placebo. Nas últimas décadas, a busca por compostos que possam a levar ao rejuvenescimento ganhou força, com a testosterona em primeiro plano. O diagnóstico de hipogonadismo masculino requer a presença de sintomas clínicos como libido baixa, disfunção erétil e fadiga, além da dosagem de testosterona realizada no mínimo em duas ocasiões no período da manhã, na ausência de doenças agudas ou graves. Embora as diretrizes de prática clínica das principais Sociedades Médicas do mundo defendam o tratamento com testosterona em homens com hipogonadismo orgânico, a testosterona continua a ser comercializada com uma droga maravilhosa com efeitos rejuvenescedores na função sexual, vitalidade e uma séries de outros supostos benefícios, não comprovados. Além disso, a epidemia crescente de obesidade, diabetes tipo 2, síndrome metabólica, condições que sabidamente podem associadas a menores níveis de testosterona, trouxe mais uma vez esse hormônio para o palco de discussões e centro de atenção. Embora o número de prescrições de testosterona tenha aumentado de forma avassaladora nas últimas duas décadas, estudos clínicos randomizados cuidadosamente conduzidos sugerem benefícios apenas modestos com o tratamento e em casos de hipogonadismo funcional, como muitas vezes ocorre na obesidade, diabetes tipo 2, essa alteração pode ser revertida tratando as doenças de base e com a mudança de estilo de vida, sem necessidade da reposição de testosterona, numa boa parte dos casos. Em relação à prescrição da testosterona, quando necessária, nos casos de hipogonadismo orgânico, permanecem as preocupações com a segurança, principalmente em homens idosos.
Nas mulheres, o abuso do uso de testosterona é ainda mais preocupante…
A situação onde esse hormônio poderia ser indicado seria o Transtorno do Interesse/Excitação Sexual Feminino. E vemos hoje a prescrição desse hormônio sem critérios e muitas vezes sem nenhuma indicação, para fins puramente estéticos, para aumentar a libido ou como uma “nova” forma de terapia hormonal da menopausa, em que muitas vezes não há sequer o uso adequado do estrogênio e progesterona (progesterona para mulheres que possuem útero, pois nas mulheres submetidas à histerectomia o uso de estrogênio não precisa ser acompanhado pelo uso de progesterona). A sexualidade feminina é complexa e não somente relacionada a hormônios como a testosterona. Fatores psicossociais como cultura, crenças religiosas, autoestima, depressão, traumas sexuais como abuso, tipo de relacionamento afetivo, estilo de vida, estresse, doenças e o uso de medicamentos influenciam a sexualidade feminina. O diagnóstico de perda do interesse nas relações sexuais e/ou falta de excitação se baseia na Classificação do DSM 5 e requer critérios bem específicos e precisam estar presentes no mínimo por 6 meses e devem causar angústia à paciente. O diagnóstico desta síndrome, o Transtorno do Interesse/ Excitação Sexual Feminino, é realizado com base em critérios exclusivamente clínicos. A dosagem de testosterona não está indicada para o diagnóstico do Transtorno do Interesse/ Excitação Sexual Feminino, nem para avaliação de baixa função ovariana ou adrenal porque o método de dosagem utilizado mundialmente só permite discriminar o excesso de produção de testosterona, como para o diagnóstico de tumores e/ou outras doenças que levam a acne, hirsutismo e virilização. Testosterona total e sobretudo livre só devem ser dosadas na avaliação de hiperandrogenismo. Vale lembrar que no Brasil não existe testosterona para mulher que seja aprovada por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA). Mundialmente, não é recomendado o uso de formulações masculinas para mulheres. O uso de Testosterona por mulheres, sem indicação e com medicamentos inadequados, pode levar a efeitos a curto e a longo prazo, dose-dependentes como acne, excesso de pelos, queda de cabelo, aumento do risco cardiovascular, engrossamento da voz, aumento do clitóris, além de dependência psicológica como depressão após a retirada, transtorno da imagem corporal (dismorfofobia, vigorexia) e transtornos alimentares (ortorexia). Essa é a informação que temos até hoje, com maior robustez de evidências, mas claro, cada um continua tendo o livre arbítrio para escolher os seus caminhos.
Em homens, a testosterona também não deve ser usada para libido baixa e depressão sem o diagnóstico de hipogonadismo.
O uso de testosterona para ganho de massa muscular é considerado doping em atletas profissionais e ilegal em amadores. Pode levar a efeitos adversos graves e irreversíveis como: aumento do coração e morte súbita, infertilidade, ginecomastia, problemas de fígado, policitemia e risco aumentado de trombose, edema, retenção urinária para pessoas com hipertrofia prostática, distúrbio do sono, supressão transitória ou definitiva da função testicular com parada da produção de testosterona endógena e necessidade de reposição de testosterona em longo prazo.
Você quer ter uma vida com maior bem-estar, sem limitações e mais saudável? O básico segue funcionando: alimentar-se de maneira saudável, praticar exercício físico regularmente, prezar pelo sono de qualidade, gerenciar o estresse, manter relacionamentos/conexões sociais saudáveis, não fumar e consumir bebida alcoólica com moderação, além de praticar a espiritualidade, de alguma forma, fazendo o bem.
ENGLISH
“FAST HEALTHY MEDICINE”
Dr. Jacy M. Alves, Lapinha, specialist in Endocrinology
Medicine is not an exact science – everyone knows that. Truths can be temporary. But we see more and more people, especially the wealthiest, looking for a “Fast Healthy Medicine”, where in the desire to have vitality, sexual function compatible with adult film actors, eternal youth, and not to suffer at any cost, they swallow “magic” pills or injectable compounds every day (often paying a fortune for this) that promise to be the cure for their dissatisfaction with life and their goals. Is there right or wrong? I sincerely believe that each person chooses their own path and has autonomy, therefore, perhaps this dichotomy between right and wrong is not the most correct way of expressing it, since there are only different choices, but once the path is defined, it is necessary to accept the possible consequences.
Is the eternal search of human beings for longevity fair?
Of course, after all, the vast majority of people do not think much about the finiteness of life, despite everyone knowing about its existence. During the Renaissance era, this search was limited to the desire for miraculous forms of rejuvenation, such as bathing in the fountain of youth. There was a scientific shift in 1889 with the publication of Brown-Séquart’s self-experiments with animal testicle extract, which apparently improved his vitality, physical strength and cognition. This extract, marketed as the “Elixir of Life”, was sold for decades in Europe and North America. However, replication of Brown-Séquart’s experiments demonstrated that this extract only presented homeopathic concentrations of testosterone, insufficient to exert any biological effect. Thus, the birth of Andrology began with a placebo effect. In recent decades, the search for compounds that could lead to rejuvenation has gained momentum, with testosterone at the forefront. The diagnosis of male hypogonadism requires the presence of clinical symptoms such as low libido, erectile dysfunction and fatigue, in addition to testosterone levels measured at least twice in the morning, in the absence of acute or serious illnesses. Although clinical practice guidelines from the world’s leading medical societies advocate testosterone treatment in men with organic hypogonadism, testosterone continues to be marketed as a wonder drug with rejuvenating effects on sexual function, vitality and a host of other unproven supposed benefits. In addition, the growing epidemic of obesity, type 2 diabetes and metabolic syndrome, conditions that are known to be associated with low testosterone levels, has once again brought this hormone into the spotlight and into the spotlight. Although the number of testosterone prescriptions has increased dramatically over the past two decades, carefully conducted randomized clinical trials suggest only modest benefits from treatment, and in cases of functional hypogonadism, as often occurs in obesity and type 2 diabetes, this change can be reversed by treating the underlying diseases and changing lifestyle, without the need for testosterone replacement in most cases. Regarding the prescription of testosterone, when necessary, in cases of organic hypogonadism, concerns about safety remain, especially in elderly men.
In women, the abuse of testosterone is even more worrying…
The situation where this hormone could be indicated would be Female Sexual Interest/Arousal Disorder. And today we see the prescription of this hormone without criteria and often without any indication, for purely aesthetic purposes, to increase libido or as a “new” form of hormone therapy for menopause, in which there is often not even adequate use of estrogen and progesterone (progesterone for women who have a uterus, since in women who have undergone hysterectomy the use of estrogen does not need to be accompanied by the use of progesterone). Female sexuality is complex and not only related to hormones like testosterone. Psychosocial factors such as culture, religious beliefs, self-esteem, depression, sexual traumas like abuse, type of emotional relationship, lifestyle, stress, diseases and the use of medications influence female sexuality. The diagnosis of loss of interest in sexual relations and/or lack of arousal is based on the DSM 5 classification and requires very specific criteria that must be present for at least 6 months and must cause distress to the patient. The diagnosis of this syndrome, Female Sexual Interest/Arousal Disorder, is made based exclusively on clinical criteria. Testosterone levels are not indicated for the diagnosis of Female Sexual Interest/Arousal Disorder, nor for the evaluation of low ovarian or adrenal function because the measurement method used worldwide only allows the discrimination of excess testosterone production, as for the diagnosis of tumors and/or other diseases that lead to acne, hirsutism and virilization. Total and especially free testosterone should only be measured in the evaluation of hyperandrogenism. It is worth remembering that in Brazil there is no testosterone for women that is approved by health surveillance agencies (ANVISA). Worldwide, the use of male formulations for women is not recommended. The use of testosterone by women, without indication and with inappropriate medications, can lead to short- and long-term, dose-dependent effects such as acne, excess hair, hair loss, increased cardiovascular risk, deepening of the voice, enlargement of the clitoris, as well as psychological dependence such as depression after withdrawal, body image disorder (dysmorphophobia, vigorexia) and eating disorders (orthorexia). This is the information we have to date, with greater robustness of evidence, but of course, each person continues to have free will to choose their own path.
In men, testosterone should also not be used for low libido and depression without a diagnosis of hypogonadism.
The use of testosterone to gain muscle mass is considered doping in professional athletes and illegal in amateurs. It can lead to serious and irreversible adverse effects such as: heart enlargement and sudden death, infertility, gynecomastia, liver problems, polycythemia and increased risk of thrombosis, edema, urinary retention for people with prostatic hypertrophy, sleep disorders, temporary or permanent suppression of testicular function with cessation of endogenous testosterone production and the need for long-term testosterone replacement.
Do you want to have a life with greater well-being, without limitations and healthier? The basics still work: eat healthily, exercise regularly, value quality sleep, manage stress, maintain healthy relationships/social connections, do not smoke and consume alcohol in moderation, in addition to practicing spirituality, in some way, doing good.