Daniel S F Boarim, MD, Diretor clínico da Lapinha Clínica e Spa, Brasil
Acumulam-se evidências cada vez mais robustas de que a microbiota de nosso corpo, particularmente a microbiota intestinal, participa dinamicamente na regulação de processos fisiológicos, no metabolismo e na imunidade. E sua desregulação interfere consideravelmente na fisiopatologia de muitas entidades, destacando-se males neuro inflamatórios como Alzheimer e Parkinson.
A INFLAMAÇÃO CRÔNICA DE BAIXO GRAU
Quando adoecemos, o envolvimento da microbiota na fisiopatologia de diferentes enfermidades vem merecendo cada vez mais atenção (Fan Y, Pedersen O. 2021; Adak A, Khan MR, 2019; Vemuri, 2018). Há, porém, um lugar comum na base da cadeia de eventos crônico-degenerativos, que é a inflamação crônica de baixo grau (Tilg H et al, 2020). Isso na prática significa que certas bactérias e seus subprodutos metabólicos, ou endotoxinas, estão atravessando uma barreira intestinal fragilizada pela disbiose e gerando um estresse imunológico crônico, que se traduz por inflamação. Os estudiosos vêm denominando esse processo como síndrome do intestino permeável ou leaky gut. Fatores como estresse, alimentação pouco saudável, consumo excessivo de álcool, antibióticos e drogas podem comprometer a composição da microbiota intestinal e a homeostase da função de barreira intestinal do intestino, levando ao aumento da permeabilidade intestinal (Aleman R S el al 2023; Katayoun Khoshbin, 2020).
A assim chamada disbiose ou disrupção no equilíbrio da microbiota intestinal, patrocina uma cadeia de eventos pró-inflamatórios, silenciosos mas duradouros, a partir do intestino, com desdobramentos que alcançam o sistema nervoso.
GUT BRAIN AXIS (EIXO INTESTINO CÉREBRO)
A comunicação bidirecional entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso entérico é de algum modo mediada por diversos microrganismos da microbiota e pelos sistemas neuroimune e neuroendócrino. E parece cada vez mais claro o papel da dieta, dos prebióticos, probióticos e pós bióticos, somados a outros aspectos do estilo de vida, como exercícios físicos, na remodelação do microbioma e redução da severidade dos sintomas nas doenças neurodegenerativas (Xiaoyan Liu at al, 2024).
Embora saibamos que há ainda muitos elos perdidos nessa cadeia de eventos, a tecnologia de sequenciamento de alta performance vem ajudando a desvendar essa interação metagenômica. Biomarcadores que podem ser associados a patógenos ajudam não apenas a esclarecer a fisiopatologia, mas a elucidar potenciais alvos terapêuticos (Xiaoyan Liu at al, 2024).
A existência de conexão funcional entre o intestino e o cérebro – o gut brain axis – parece clara, porém ainda pouco compreendida, remanescendo incertezas a respeito dos mecanismos de ação, que se revelam cada vez mais interdependentes e complexos (Tran N et al, 2019).
PARKINSON E ALZHEIMER
A base inflamatória ao lado do estresse oxidativo são geralmente aceitos como componentes da equação etiológica de fundo para males neurodegenativos como a doença de Parkinson (Vascellari et al, 2020).
O Aklzheimer também vem sendo associado à ação remota da microbiota alterada, e da mucosa intestinal inflamada, que respectivamente são capazes de liberar e translocar quantidades potencialmente nocivas de bactérias, lipopolissacárides e substância beta-amilóide.
As sinucleinopatias, ou superexpressão de alfa sinucleína, resultam em disfunção motora que se verifica no parkinsonismo (Kesika P et al, 2021; Nielsen S D et al., 2021). Quando se administram oralmente metabólitos microbianos específicos a camundongos livres de germes, promove-se neuroinflamação e sintomas motores, sugerindo-se fortemente a existência de uma via de sinalização entre o intestino e o cérebro capaz de modular a doença.
A propósito, outras neuropatologias além do Parkinson, como o próprio Alzheimer e e a doença de Creutzfeldt-Jakob, que afetam milhões de pessoas em todo o mundo, vem sendo cada vez mais associadas à presença de deposições de amiloide-β, alfa sinucleína e proteína príon (Trichka J, Zou W Q, 2021; González-Sanmiguel J et al, 2020).
ENXAQUECA (migrânea)
A migrânea também vem sendo citada em estudos do eixo intestino-cérebro, verificando-se que dietas de efeito benéfico sobre a microbiota parecem cursar com melhora do quadro. Tem sido verificado que a frequência de distúrbios gastrointestinais, incluindo-se disbiose, é maior em pacientes com enxaqueca em comparação com a população em geral. Entre as abordagens nutroterápicas mencionadas, potencialmente benéficas, incluem-se consumo adequado de fibra, menor índice glicêmico, suplementação com vitamina D, ômega-3 e probióticos, bem como planos alimentares para perda de peso no caso de sobrepeso e obesidade (Arzani et al, 2020).
Os mecanismos postulados envolvem a inflamação crônica e mediadores inflamatórios de origem intestinal, associados à disbiose e microbiota patobiôntica (Cámara-Lemarroy C R et al, 2016).
CONCLUSÃO
Enfim, acumulam-se evidências apontando a uma associação potencial entre a microbiota do hospedeiro e a neuroinflamação, que reúne diferentes patologias como Alzheimer, Parkinson e outras, seja diretamente devido à invasão cerebral por bactérias provenientes da barreira intestinal permeável e liberação de toxinas pró-inflamatórias, ou indiretamente através da modulação de mecanismos imunes (González-Sanmiguel J et al, 2020).
REFERÊNCIAS
Adak A, KhanMR, An insight into gut microbiota and its functionalities. Cell Mol Life Sci 2019 Feb;76(3):473-493.
Aleman R S, Marvin Moncada, Kayanush J Aryana. Leaky Gut and the Ingredients That Help Treat It: A Review. Molecules, 2023 Jan 7;28(2):619.
Arzani et al. Gut-brain Axis and migraine headache: a comprehensive review. The Journal of Headache and Pain (2020) 21:15.
Cámara-Lemarroy C R et al. Gastrointestinal disorders associated with migraine: A comprehensive review. World J Gastroenterol 2016 September 28; 22(36): 8149-8160
Fan Y, Pedersen O. Gut microbiota in human metabolic health and disease. Nat Rev Microbiol 2021 Jan;19(1):55-71.
González-Sanmiguel J et al, Complex Interaction between Resident Microbiota and Misfolded Proteins: Role in Neuroinflammation and Neurodegeneration. Cells, 2020 Nov 13;9(11):2476.
Katayoun Khoshbin, Michael Camilleri Effects of dietary components on intestinal permeability in health and disease Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2020 Nov 1;319(5):G589-G608.
Kesika P et al. Role of gut-brain axis, gut microbial composition, and probiotic intervention in Alzheimer’s disease. Life Sci 2021 Jan 1;264:118627.
Nielsen S D et al. The link between the gut microbiota and Parkinson’s Disease: A systematic mechanism review with focus on α-synuclein transport. Brain Res 2021, Aug 6;147609.
Tilg H et al The intestinal microbiota fuelling metabolic inflammation.
Nat Rev Immunol. 2020 Jan;20(1):40-54.
Tran N et al. The gut-brain relationship: Investigating the effect of multispecies probiotics on anxiety in a randomized placebo-controlled trial of healthy young adults. J Affect Disord. 2019 Jun 1;252:271-277.
Trichka J, Zou W Q Modulation of Neuroinflammation by the Gut Microbiota in Prion and Prion-Like Diseases. Pathogens, 2021 Jul 13;10(7):887.
Vascellari et al. Gut Microbiota and Metabolome Alterations Associated with Parkinson’s Disease. 2020 Sep 15;5(5):e00561-20.
Vemuri, R et al. Gut Microbial Changes, Interactions, and Their Implications on Human Lifecycle: An Ageing Perspective R. Biomed Res Int 2018 Feb 26;2018:4178607.
Xiaoyan Liu at al. Correlation between the gut microbiome and neurodegenerative diseases: a review of metagenomics evidence, Neural Regen Res, 2024 Apr;19(4):833-845